domingo, 7 de outubro de 2012

Livro do mês

Clarice Lispector: biografia
Fonte: Cosac Naify



Meu interesse pela obra e pessoa de Clarice Lispector me atraíram para Clarice,, do escritor norte-americano Benjamin Moser, que está sendo considerada a  mais completa biografia acerca da escritora brasileira. Lançada pela editora Cosac Naify em 2009, o livro está disponível em uma belíssima edição de capa dura e uma versão pocket não menos encantadora - que foi a que eu comprei, inclusive. Ainda estou na página 80, mas já me sinto completamente envolvida pela história da vida de Clarice e pela narrativa de Moser. Em breve, contarei a minha impressão completa sobre o livro. Aguardem.

sábado, 6 de outubro de 2012

Sobre as borboletas

Uma vez borboletas nervosas fizeram muito barulho, todas apertadas, sem espaço dentro da minha cabeça. E eu não sabia o que fazer com elas, assim todas juntas. Eu queria me livrar dessas vespas, mariposas – ou melhor: borboletas

Borboletas e Papoulas - Van Gogh
Borboletas e Papoulas - Van Gogh

Mas não conseguia tirá-las de mim, aquelas barulhentas. Os sentidos só percebiam as asas delas, ex-lagartas. A minha boca sempre tão em polvorosa não falava nada, paralisada também por elas, as inquietas borboletas. “Será que vale a pena abrir a janela?” Pensei. Daí, andei de um lado para o outro até tomar coragem. Abri o vidro, deixei o vento entrar, estava chovendo. Levantei o rosto, vi árvores, montes, uma paisagem. Parecia uma imagem nova, desconhecida, mas eu cresci nesse lugar. E me assustei com as formas, com alguns frutos e com o olhar atento dos animais. Respirei fundo e me espantei. Eu me espantei com a realidade, pura, inflexível e com toda a força daquilo que simplesmente é. Pouco a pouco as vi voando – as danadas, incrivelmente barulhentas, as borboletas – em direção à luz que timidamente surgiu no sol entre as nuvens nubladas. Iam felizes, rápidas, gargalhando. Então, comecei também a achar graça e a não sentir mais medo. Que voem as parvas, delicadas, impulsivas e agora livres, minhas borboletas.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

NUA NA CHUVA

Sai correndo nua, na chuva. Estava desesperada. Os carros buzinavam quando passava, alguns homens gritavam: mulher nua! mulher nua!
Chovia muito. Tinha medo. Louca! Louca! , alguns bradavam.
Acordei, nesse dia, estupefata: tinham – não sei como – revelado meus pensamentos em filme fotográfico. Exibiram no cinema. Na primeira sessão da quarta-feira. Toda imprensa foi convidada. Muitas pessoas: crianças, namorados, velhos. Toda a gentalha da cidade. Todos me vendo por dentro.
As autoridades acharam nocivo expor a população ao meu mundo insalubre. Decidiram recolher o material. A NASA ficou muito interessada e quis testar o pensamento humano em extraterrestres. Mas a Rússia enviou um agente secreto que o roubou antes da experiência ser feita. E meus pensamentos viraram arma de guerra, disputas continentais, ideológicas, políticas.
Meus pensamentos se espalharam, se perderam por aí. Continuei correndo nua – na chuva. Até que uma ambulância parou na minha frente. Levem ela! Amarrem ela! Lugar de doido? É no hospício!
E a liberdade? Apenas um sonho, meus amigos.

quinta-feira, 19 de março de 2009

FANTASMAS

Os fantasmas são criaturas que pertencem ao imaginário infantil, mas não para mim.
Tenho convivido com esses seres, muito de perto. Eles me acompanham de forma insistente. Tento ignorá-los. Mas nem sempre é possível. Alguns fantasmas são admiravelmente inteligentes, astutos, maliciosos.
Quando menos espero, essas criaturas diáfanas aparecem e prendem minha atenção. De modo singular, sobrenatural. Inicialmente, sinto-me atraída por suas estratégias de encanto. E deixo-me levar até ver encarar o seu rosto frio. E sentir medo. Pavor.
Os fantasmas. Meus fiéis companheiros. Em alguns momentos parecem adormecidos, mas eu sei que eles estão aqui. Todos dentro de mim. Nas minhas fantasias, perturbando a minha realidade.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

ANTÔNIO.

É num dia como esses que me lembro do Antônio. E curiosamente lembrei de um fato que ocorreu faz dois anos. Antônio estava entediado com a vida, mas principalmente com o seu trabalho. Um lugarzinho medíocre, repleto de pessoas medíocres, fazendo coisas – não por acaso – medíocres. Gentinha rasteira, infeliz.
Antônio era um homem simples, muito sensível, próximo das artes nobres. Mas a objetividade da vida o obrigou a trabalhar em um lugar qualquer para ganhar um dinheirinho, com dizia sua mãe. Dinheirinho ordinário que custava a paciência do meu amigo.
Só o tesão que sentia pelas coxas de Lúcia melhorava o seu dia. Lúcia e Antônio estavam namorando há um ano. Ela era cabeleireira, mas queria ser atriz e não era exatamente bonita. Mas Antônio adorava suas coxas e também o jeito como mexia a boca, quando falava. Outra coisa que o fazia feliz eram as poesias de Mário de Sá Carneiro. Antônio sabia todas e costumava declamar em voz alta, sozinho, no seu quarto.
Um dia ele chegou no limite e decidiu não ir trabalhar. Que se dane o filho da puta, pensou. E saiu com o seu fusca velho, enferrujado. Soube que levou algumas roupas, livros, discos de Beethoven. E Lúcia, é claro.
Antes de ir embora ele deixou uma carta aqui em casa, contando tudo isso. Nunca mais tive notícias dele. Quem sabe um dia mande um telegrama. Espero que esteja tudo em ordem. Ele merece.

domingo, 22 de junho de 2008

BANDEIRA

Ontem estava pensando sobre a festa de São João e me lembrei de um poema¹ escrito por Manuel bandeira. Um dos poetas que admiro pela vida e obra.
Manuel Bandeira descrevia uma noite de São João na poesia. Falava de pessoas queridas, das saudades que sentimos, quando as mesmas já não pertencem mais a este mundo. Personagens da infância, lembranças de uma noite de sonho e alegria. Momentos de doçura. Recordei, então, das minhas noites de São João. Fiquei feliz ao perceber que minha infância foi tão bonita como o poema.
Atualmente não comemoro a festa junina como antes, mas estou satisfeita com a memória do São João que vivi. Genuíno, puro e repleto de uma infância bem vivida. Manuel Bandeira, no entanto, não teve uma vida tão feliz. Perdeu família e a saúde, mas jamais a virtude de perceber, no mundo, saídas para a felicidade, para o bem viver.
Memórias da infância, São João e Manuel Bandeira. Excelente mistura para renovar a alma e entender que nem tudo está perdido. “
Uns tomam éter, outros cocaína. Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.”²

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¹ O poema ao qual me refiro, chama-se Profundamente.
²
Verso de Não Sei Dançar, uma poesia também escrita por Manuel Bandeira.


Abraços!

sexta-feira, 21 de março de 2008

FIM DE TARDE

Quando a tarde acaba e o céu tem uma cor indefinida, penso um pouco sobre a vida e muito sobre a morte. Imagino que tenho pouco tempo e muitas coisas a serem feitas, coisas que na maioria das vezes não servem para nada.
A construção humana do mundo é estúpida. Uma corrida por metas vazias, frágeis, instáveis. A maioria dos humanos não percebe sua própria instabilidade. E nada mudará isso, nem a fortuna, nem a glória, muito menos os títulos...
Acredito na lucidez, na calma estóica e na sinceridade furiosa diante do espanto de existir... Isso, sim, é saber viver. Sem métodos, manuais da vida, essas coisas que só os bobos sabem usar.
Nessa vida fugidia, resta a mim, saudar os amigos sinceros, poucos e raros, minha família, os filmes de Bergman, as músicas de Agustín Barrios, a lua, o sol, os girassóis... E a poesia.



Abraços!