quinta-feira, 9 de abril de 2009

NUA NA CHUVA

Sai correndo nua, na chuva. Estava desesperada. Os carros buzinavam quando passava, alguns homens gritavam: mulher nua! mulher nua!
Chovia muito. Tinha medo. Louca! Louca! , alguns bradavam.
Acordei, nesse dia, estupefata: tinham – não sei como – revelado meus pensamentos em filme fotográfico. Exibiram no cinema. Na primeira sessão da quarta-feira. Toda imprensa foi convidada. Muitas pessoas: crianças, namorados, velhos. Toda a gentalha da cidade. Todos me vendo por dentro.
As autoridades acharam nocivo expor a população ao meu mundo insalubre. Decidiram recolher o material. A NASA ficou muito interessada e quis testar o pensamento humano em extraterrestres. Mas a Rússia enviou um agente secreto que o roubou antes da experiência ser feita. E meus pensamentos viraram arma de guerra, disputas continentais, ideológicas, políticas.
Meus pensamentos se espalharam, se perderam por aí. Continuei correndo nua – na chuva. Até que uma ambulância parou na minha frente. Levem ela! Amarrem ela! Lugar de doido? É no hospício!
E a liberdade? Apenas um sonho, meus amigos.

quinta-feira, 19 de março de 2009

FANTASMAS

Os fantasmas são criaturas que pertencem ao imaginário infantil, mas não para mim.
Tenho convivido com esses seres, muito de perto. Eles me acompanham de forma insistente. Tento ignorá-los. Mas nem sempre é possível. Alguns fantasmas são admiravelmente inteligentes, astutos, maliciosos.
Quando menos espero, essas criaturas diáfanas aparecem e prendem minha atenção. De modo singular, sobrenatural. Inicialmente, sinto-me atraída por suas estratégias de encanto. E deixo-me levar até ver encarar o seu rosto frio. E sentir medo. Pavor.
Os fantasmas. Meus fiéis companheiros. Em alguns momentos parecem adormecidos, mas eu sei que eles estão aqui. Todos dentro de mim. Nas minhas fantasias, perturbando a minha realidade.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

ANTÔNIO.

É num dia como esses que me lembro do Antônio. E curiosamente lembrei de um fato que ocorreu faz dois anos. Antônio estava entediado com a vida, mas principalmente com o seu trabalho. Um lugarzinho medíocre, repleto de pessoas medíocres, fazendo coisas – não por acaso – medíocres. Gentinha rasteira, infeliz.
Antônio era um homem simples, muito sensível, próximo das artes nobres. Mas a objetividade da vida o obrigou a trabalhar em um lugar qualquer para ganhar um dinheirinho, com dizia sua mãe. Dinheirinho ordinário que custava a paciência do meu amigo.
Só o tesão que sentia pelas coxas de Lúcia melhorava o seu dia. Lúcia e Antônio estavam namorando há um ano. Ela era cabeleireira, mas queria ser atriz e não era exatamente bonita. Mas Antônio adorava suas coxas e também o jeito como mexia a boca, quando falava. Outra coisa que o fazia feliz eram as poesias de Mário de Sá Carneiro. Antônio sabia todas e costumava declamar em voz alta, sozinho, no seu quarto.
Um dia ele chegou no limite e decidiu não ir trabalhar. Que se dane o filho da puta, pensou. E saiu com o seu fusca velho, enferrujado. Soube que levou algumas roupas, livros, discos de Beethoven. E Lúcia, é claro.
Antes de ir embora ele deixou uma carta aqui em casa, contando tudo isso. Nunca mais tive notícias dele. Quem sabe um dia mande um telegrama. Espero que esteja tudo em ordem. Ele merece.